
Em nosso periódico de número 45, abordamos as hipóteses passíveis de distinção com o Tema 1.090 do Superior Tribunal de Justiça, quais sejam: enquadramento por categoria profissional, risco à integridade física (periculosidade), agentes biológicos, ruído e agentes cancerígenos previstos no Grupo 1 da LINACH.
Recentemente o Tema foi julgado pela Corte Cidadã, ocasião em que foi firmada a seguinte tese:
I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.
II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.
III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.
A análise do voto condutor revela que a Corte aderiu a tese firmada pela Turma Nacional de Uniformização no julgamento do Tema 213, qual seja:

Objetivamente, a Corte Superior imputou ao segurado o ônus de desafiar a informação positiva de EPI eficaz no PPP, a qual considerou apta a ilidir o reconhecimento da especialidade. Foi ressalvado situações em que houver dúvida acerca da higidez da informação no PPP, ocasião em que adotar-se-á a opção mais benéfica ao segurado, admitindo a especialidade.
Na linha do que foi defendido na Jurisprudência em Destaque 45, a Corte confirmou que a tese firmada no Tema 1.090 não incide nos casos em que o EPI é sabidamente ineficaz. Eis o trecho que confirma essa afirmação:
É muito importante anotar que há casos em que a discussão sobre o uso do EPI eficaz é inócua, porque não teria o condão de descaracterizar o tempo especial. O próprio STF, no tema 555 da repercussão geral, afirmou que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria" (ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014). O TRF4 alinhou cinco hipóteses semelhantes na fundamentação do IRDR, alínea "b", transcrita acima. Em três dessas cinco hipóteses a própria administração previdenciária afirmava, ao tempo do julgamento, o direito ao reconhecimento da especialidade do labor, independentemente do uso de EPI eficaz. Portanto, a prova acerca da eficácia do equipamento seria inútil. Assim, o enquadramento por categoria profissional (art. 291 da IN INSS n. 128/2022), a exposição ao agente físico ruído (art. 290 da IN INSS n. 128/2022) e a exposição a agentes cancerígenos (art. 298 da IN INSS n. 128/2022). Quanto a exposição a agentes cancerígenos, a orientação administrativa foi alterada, em desfavor do segurado, a partir do advento do Decreto n. 10.410/2020, que modificou o art. 68, § 4º, do Regulamento da Previdência Social. As outras duas hipóteses mencionadas - agentes biológicos e periculosidade - decorriam da jurisprudência - apesar da falta de reconhecimento administrativo.
Portanto, a presente decisão é sobre os casos em que o uso do EPI eficaz descaracteriza o tempo especial. Se assim não for, a informação no PPP será inócua.
Esperava-se que a Corte modulasse os efeitos da decisão, de modo a permitir o adendo nos processos em que não houve impugnação nos moldes exigidos no Tema 1.090. No entanto, tal ressalva foi expressamente rechaçada na proposta de voto apresentada pela Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura. Confira-se:
A modulação dos efeitos da decisão possui natureza excepcional e deve ser realizada quando há mudança na orientação jurisprudencial consolidada. Não há razão para modular o entendimento aqui definido.
Não há superação de jurisprudência anterior.
Assim, não é cabível a modulação dos efeitos desta decisão.
Com o devido respeito à posição firmada pelos Ministros, acreditamos que a ausência de modulação pode impactar o princípio da segurança jurídica.
Com o julgamento do IRDR 15 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, milhares de processos foram julgados com base no entendimento de que
“A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário”. Boa parte desses processos nem sequer tiveram dilação probatória acerca da (in)eficácia do EPI. Não havendo modulação dos efeitos, tais processos correm um sério risco de serem fulminados em desfavor dos segurados, já que a informação positiva de EPI eficaz não foi desafiada na fase de instrução.
Ademais, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao fim e ao cabo,
impôs um novo dever ao segurado
(impugnar a eficácia do EPI de forma específica) razão pela qual caberia prever um regime de transição para o cumprimento de tal obrigação (modulação dos efeitos), como advertido pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, artigo 23:
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado,
impondo novo dever ou novo condicionamento de direito,
deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Outro apontamento sobre a decisão diz respeito ao trecho em que é presumido que o segurado possui mais facilidade de produzir a prova acerca da ineficácia do EPI. Eis o trecho em questão:
A prova é mais fácil para o segurado do que para o INSS. Foi o segurado quem manteve relação com a empregadora, conhece o trabalho e tem condições de complementar ou contestar informações constantes do PPP.
Por tudo, o ônus da prova é do segurado.
Redobrando vênias aos Ministros, temos uma perspectiva diferente sobre essa afirmação. O segurado não participa da elaboração do PPP, que é produzido exclusivamente pela empresa, visando sinalizar a eficácia do EPI para reduzir a carga tributária. Sobre essa questão, é relevante considerar os ensinamentos do Professor Diego Henrique Shuster:
No entanto, tempos em tempos é importante lembrar que as empresas insistem em disponibilizar as melhores informações sobre o meio ambiente do trabalho, mormente por motivos fiscais (tributários). Existe, pois, um conflito de interesses já capturado por decisões judiciais[...] (SHUSTER, Diego Henrique. A Jurisprudência Previdenciária Perdida em Paradoxos e Contradições: o respeito ao contraditório como uma escolha do julgador. 2024. Disponível em: https://blogschuster.blogspot.com/2024/11/a-jurisprudencia-previdenciaria-perdida.html)
Não há facilidade na produção de referida prova pelo segurado. De todo o contrário, pois além de não participar na elaboração do PPP o trabalhador é impedido de questionar eventuais inconsistências no formulário, em vista do temor de perder o emprego. Além disso, a grande maioria das empresas se recusam a fornecer o LTCAT, que dirá as fichas de entrega dos EPIs.
Por outro lado, os deveres de orientação e fiscalização mencionados na decisão do STJ autorizam o INSS a requisitar informações ambientais da empresa, que não pode se recusar, sob pena de sofrer sanções administrativas. Tudo isso leva a crer que, na verdade, a produção da prova é mais fácil para o INSS.
Entendemos que as restrições informacionais e a dificuldade de acesso a documentos enfrentadas pelos segurados mereciam uma consideração mais aprofundada na elaboração da tese. Não se mostra crível exigir do segurado a impugnação sobre: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação. Trata-se de matéria essencialmente técnica, cujo conhecimento não se espera que o segurado tenha.
Nessas circunstâncias, urge questionar: como fica a situação do segurado que comparece sozinho ao INSS para requerer o reconhecimento de atividade especial? Certamente sofrerá as consequências de não ter impugnado tecnicamente a informação positiva no PPP.
A decisão do STJ, embora baseada em um ponto de vista técnico, pode não refletir totalmente a realidade cotidiana do segurado. Ao atribuir ao segurado o ônus da prova quanto à eficácia dos EPIs, pautado na premissa de que
“a prova é mais fácil para o segurado”, o Superior Tribunal de Justiça pode não ter considerado plenamente as condições reais de vulnerabilidade e desinformação vivenciadas pelos segurados da Previdência Social.